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sábado, 14 de março de 2015

Já nem sei

Ai, ai, que restou de mim,
Este fio só?
Passa o rio, e nós?
Ai, ai, meu irmão, no fim,
Ainda vamos sós
Cada um por si
Levantando a voz
Sem sequer se ouvir

Já nem sei de mim
O que foi que me tornei
E nem importa mais
Não estar em paz
Já nem sei

Mas eu chorei por nós
Fui no igarapé
Virei peixe e fé
Ai, ai, rio grande diz
Que vai ser feliz
Quem viver assim
E que a solidão
Vira mar no fim

Inspirei teu ar
Amazônia, irmã do mar
Onde eu mergulhei
Pois não mergulhar
Já nem sei

quinta-feira, 12 de março de 2015

O bem quis


Solitária mão,
Solitária mão, desapego
O bem quis
Me quis mas não quis
Me quis mas não diz
Me quis mas não quer mais
Solitária solução

Prum solitário ardor,
Solitário ardor, descabelo
O bem quis
Me quis mas não quis
Me quis mas não diz
Me quis mas não quer mais...
Solitária solução!

Prum solitário amor
Desconsolo em que eu me via
Borboleta em terra fria:
Já não quero mais você

Solitária
A voz é fria e imprudente
Boca seca de quem mente:
Já não quero mais você

quarta-feira, 5 de março de 2014

Des-envolvimento


Os bodes e onças me acordaram
Loucura de alguém distante
Talvez por macumba antiga
Talvez por ignorância

Debaixo dos tapetes
Da grande barca azul
Ninguém mais vê
Nossa voz cansada, esquecida, aflita
Misturada à dessa gente que grita
Gente sem nome, sem meio, sem fim
Me sinto bem,
Comigo, assim

Gente louca!
Que vive
Que ama e corre pelas escadas
Que perde
Que anda e morre pelas calçadas
Que escorre das mãos nossas,
Desleixadas

Gente que vive pra morrer depois, e mais!
Gente que não perde tempo,
Que não volta atrás.
Gente que pula das pontes,
Que derruba as muralhas
Daqui e da china
Homem, moço, menino, menina
Gente, gente
Que falta me faz

Quanto medo de mim
Há no meu medo de vós?

Quanta distância nos cafés da manhã
Nos elevadores da gente toda, sã
Em cada frase dos jornais
Em cada conta de luz, de gás
Em cada tiro por paz
Ah, deus, por deus
Quanta loucura há nos normais!

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Sobre peixes saídos de fotos

novo dia, velha cidade, aflita rua
aquário de sol e de lua
eu vejo peixes em todo lugar
sei lá o que me deu
de ver peixes...
saindo de fotos,
nos quadros da casa
nos fatos da vida
nos atos, nas cinzas
nas músicas que pra ela fiz
em cada traço de linha escrita
em tudo o que a vida diz

noite escura, nova lua
cidade-aquário de amor 
e de rua
eu vejo peixes nadando no ar!

são todos peixes nesse rio-mar?

pro dia-a-dia tacanho
pra vida morna
pra essa dor sem tamanho
pra perna peso-bigorna
por tudo que está doente  
por tudo que ainda importa
como um presente
(a compensar a vida morta)
chega enfim a festa quente!
fechando o plano do menino urgente:

- contei tudo a ela! e ela riu...
ao pé da orelha (a velha janela)
ja sabia e soube mais:
cedo ou tarde alguém viria
com doces lábios tolos
lhe cantar a paz


30/01/2014


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um joão e uma maria







































                                                                                                     Aquarela: Isabel Svoboda
Meu sonho, no fim, anuncia
E eu já sabia, eu já sabia
No labirinto das linhas da mão 
A vida esconde
Por onde, por onde?

O alarme, a seguir, interrompe
Velha mania. Já é dia, já é dia.
Em macabros-sonoros-fatos, me engole
Que fome, que fome!
Pro alarme, é mais um sonho que come
Sob o sono distraído dos homens

E nossa dor, que cantamos aos montes,
Quem ouvia, quem ouvia?
E nossa paz, que tesava os monges,
Quem sentia, quem sentia?
E nossas pernas, cansadas do fronte,
Quem trazia, quem trazia?

Heróis-mendigos-mutilados pelas ruas vagavam
Por Deus, de Deus, pra Deus, cantavam!
Como o velho infeliz da antiga rua 
Mal sabia
Da voz-branca-flor que possuía

Mas quando a velha música ameaçava cansar
Roucas vozes, sombrias e urgentes, rapidamente grunhiam:
- Que vida! Que vida, que vida! 
Garganta seca, rouquidão de quem não grita:
- Que vida! Que vida! 

Mas cada uma, de súbito, morria
E quando tudo ao redor já se ia
É que um de nós levantava apressado e nos batia!
Mais alto, mais fundo, mais forte. Na face.
Nos lembrava e nos prendia:
- Teu nome, teu nome,
Teu nome, maria!
E vibrávamos! Milagre!
Quentes, juntos, jovens, tolos. 
A esperança do amor em nós:
"Quem sabe um dia?!"

Certo dia cansamos
E quantas camas sujamos!
Quantas pernas dobradas de louça, trepadas com força
(E a maria, por onde andaria?) 
Gozo ralo, nosso corpo fraco, meu suor em poça
Cansaço-falso-moralismo, cinismo, solidão
João se fazendo de macho, maria sem dó no coração

Mas a mão gulosa toca e leva, sem deixar.
Nessa triste história fria 
De um joão e uma maria,
Aquarelas já choravam
Eu é que não via.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

À porta da escola



À porta da velha escola vê-se que não é tão suja quanto os gabinetes de onde a abandonaram, os engravatados. Da sujeira da escada da porta da velha escola nasceu o futuro. Filho da mistura; das vísceras expostas, do sangue, da placenta e da dor de uma nação.

Da violência de um parto sem parteira - de anestésicos, boas intenções e máscaras; mas sem abraços- irrompeu ao mundo, não sem dor, o filho nosso que ninguém quer. Os professores-adotivos-parteiros-alquimistas têm nas mãos o feto subnutrido, suprimido e sem esperança que ninguém quis. Mas que destinado à vida foi, à mercê da própria sorte, aos pés de uma suja escada de alguma cansada-esquecida-escola, velha de guerra, qualquer. 

Mas a velha escola é menos suja que a verdadeira face - aquela por detrás da maquiagem modernosa - dos gabinetes público-privados, de onde as ordens vêm. Onde as canetas assassinam, as medidas públicas abandonam e as privadas se confundem entre bundas, camarotes e enriquecimento ilícito. Onde os bolsos transbordam, os corações esvaziam e os olhos pouco vêem.

Desinvestir a mágoa, descontrair o peito e a feição. Respirar. Respirar. Respirar.

À porta da escola o ar é rarefeito. Parece não querer desperdiçar-se de intragável que se ressente.

Mas o filho nosso na porta da escola ainda quer viver. 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Castelo de cartas do rei


Castelo de cartas do rei


Rei, dragão do ego
Não se sente só?
Ou vai dizer: 'tá tudo bem'
A quem engana senão a você?
Ou vai mentir: 'tá tudo bem'
E ir embora sem se envolver,
Mais uma vez, sentado aí,
Acumulando sem saber porquê...
É rei de quem, senão de si?

Mundo cão, não sei
Onde foi que andei
Monstros, mitos fui
Feras, caras, cadeias em mim
Tentando ser mais do que herói

Mundo cão, não sei
Onde foi que andei
Monstros, mitos fui
Feras, caras, cadeias em mim
Tentando ser mais do que o herói
Que eu já sou

Castelo de cartas do rei
O vento vai derubar
Castelo de cartas do rei
O vento vai derrubar

Reinará 
Sobre a Terra-mãe
Compaixão

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O fim do tempo

Sensação profunda,
Não quero rima, não quero nada…

O olhar tão puro se perdeu,
Nesse mundo duro converteu-se em medo,
Fechou-se em sua própria dor.

Aonde andará aquele que me habitava?
O da consciência, da paz, do amor?
Aonde andará aquele que eu um dia fui?
(Será que fui?)

O paraíso deles não me disse nada…
De perto, me pareceu apenas o que é:
Mais um bando de pretensos semi-deuses,
Tão fracos diante de si.
A podridão forjada de luminosidade
Me perfura, me faz sangrar.
Não posso ver, não consigo olhar.
Dá saudade de um tempo que nem foi…
E preguiça de esperar tudo mudar.
Melhor seria se todas as coisas se acabassem de uma vez
E o fim dos tempos chegasse, afinal
Melhor seria, o fim dos tempos…
Menos palavras, menos ataques, menos egoísmo, menos solidão;
Menos perda de tempo.
Apenas o silêncio…

(…)

Três pontos de um silêncio bem longo,
Onde todos mergulhassem,
E pudessem tocar em si.

(…)

Três pontos de um silêncio bem longo,
E doloroso, apenas isso…
Pro fim do tempo começar.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Canção do fim

Canção do Fim


Por fim, à sombra do tempo,
Eu desejo você
Por entre versos perdidos
Ainda tento entender
Minha tristeza, minha dor…

Foi que eu cantei
Fiz por fazer
Ergui a voz por mim
Chorei, chorei
Tudo que eu não mais seria…

Ai, Ôh, Ei…
Ê, Pai, Ô, Pai… 
Como faz?
Como vou seguir nessa estrada,
Se o final já sei?
Não, não, não!
Não vou mais não... 
Não...

Diz pra mim que ainda ama,
Coração suicida!
Vê o fim da janela, ê!
Sente o vento bater…

Diz pra mim, 
Já no fim,
Oh, Tempo-rei…

Diz pra mim 
Aonde foi que errei...
Se me esforcei,
E abri mão de quem eu sou
Pra ter alguém junto a mim?

Onde será?

(risos)

Resta rir de mim
E levantar, acordar
E seguir…


28/12/2012


domingo, 23 de dezembro de 2012

Voador


Voador


Triste, nebuloso Mundo Velho
Onde a vaidade deita a esteira
Onde a luz do sol não vai voltar
Veia que o passado estancou

Em Mundo Velho
Tem solidão, tem agonia, e só...

Quando teu olhar vai à janela
Cada escola, uma cela
Teu pensamento voou…


Vai, pelo céu, voador, menino, até Deus, e argumenta por nós
Vai, voador, meu menino, ensina os caminhos de um mundo melhor

Vai, violão, toca alto, que o canto dos homens já fraquejou
Vai, violão, vai depressa, as notas desatam todos os nós

Vai voador, vai em paz,
Esse dia já vem,
E todos nós cantaremos juntos de vez!

Ao menino de mim dediquei a canção…


23/12/2012